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A maçã de Newton e os perigos de ensinar ciência com mitos

Atualizado: 13 de jul.

Quase todo mundo já ouviu a famosa história da maçã que caiu na cabeça de Isaac Newton. Segundo a lenda, foi esse episódio que teria feito o cientista "descobrir" a gravidade. A imagem já virou piada e ilustração em livros didáticos. Mas o que pouca gente se pergunta é: será que essa história é verdadeira? E, mais importante, será que contar essa história ajuda ou atrapalha o ensino da ciência?


A verdade é que existem várias versões dessa anedota. Em algumas, a maçã atinge Newton diretamente na cabeça. Em outras, ele apenas a observa cair enquanto está sentado sob uma macieira. Em todas elas, o ponto é o mesmo: um momento de “iluminação” leva à formulação da teoria da gravitação universal. Mas historicamente, o mais provável é que nenhuma dessas histórias tenha acontecido exatamente como se conta. Newton teria mencionado a queda de uma maçã como inspiração para pensar sobre o movimento dos corpos, mas essa foi apenas uma observação entre tantas outras, e não o início milagroso de uma teoria científica.


O problema é que, ao contarmos essa história como se fosse verdadeira, ou ao usá-la como base para introduzir a gravidade em sala de aula, corremos o risco de reforçar uma ideia errada sobre como a ciência funciona. Damos a impressão de que as descobertas científicas surgem de repente, em momentos de genialidade isolada, como se fossem obra do acaso ou de um dom sobrenatural. Isso não só simplifica demais a realidade, como também distorce a natureza coletiva, gradual e crítica da ciência.


Antes de Newton, muitos outros pensadores já estudavam a queda dos corpos e os movimentos dos astros. Galileu Galilei, por exemplo, mostrou que todos os corpos caem com a mesma aceleração, independentemente da massa, se não houver resistência do ar. Johannes Kepler formulou leis sobre as órbitas dos planetas com base em observações rigorosas. Newton, sim, fez uma grande síntese desses conhecimentos e criou uma teoria revolucionária. Mas isso foi fruto de anos de estudo, cálculos e base em trabalhos anteriores e não de um “momento mágico” provocado por uma fruta.


Como professor de matemática, costumo dizer que a gente não resolve uma equação difícil com mágica, isto é, deve haver raciocínio, tentativa, erro, correção e muita persistência. Isso vale para a ciência. Por isso, é importante que professores e escritores de livros didáticos tenham cuidado ao usar histórias como essa. A maçã pode até servir como uma metáfora ou uma ilustração divertida, mas não deve substituir o entendimento real do processo científico.


Quando ensinamos ciência usando mitos, ainda que bem intencionados, podemos acabar criando obstáculos invisíveis para o aluno. O estudante pode achar que, se não tem “ideias brilhantes” de forma espontânea, nunca será capaz de contribuir com a ciência. Pode se frustrar ao perceber que o trabalho científico é mais lento e trabalhoso do que imaginava. E pode acabar desvalorizando o esforço necessário para construir o conhecimento.


A ciência precisa, sim, ser interessante e acessível, mas isso não significa que devamos abrir mão da verdade ou da complexidade. Ao contrário: devemos ensinar desde cedo que o conhecimento científico se constrói com dúvidas, erros, testes, debates e tempo. E que, por trás de cada grande teoria, há uma longa história feita por muitas pessoas. A maçã de Newton pode continuar como símbolo, mas que sirva para lembrar que a ciência não cai do céu. Ela nasce do chão firme da curiosidade, da paciência e da razão.


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