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Nem tudo são flores quando se usa tecnologias no ensino de alunos nativos digitais, na Rede Estadual de Educação de São Paulo

Nos últimos três anos, estamos passando por uma reformulação na forma de ensino nas escolas da rede estadual de São Paulo. Por exigência da Secretaria de Educação - SEDUC-SP, somos obrigados a utilizar plataformas de 'aprendizagem' com os estudantes. Após alguns meses de intensa utilização dessa tecnologia, percebemos algo que, até então, jamais havíamos imaginado. Será que, de fato, a geração chamada de nativos da internet, ou nativos digitais, realmente sabe como usar essas tecnologias? É sobre isso que pretendemos falar neste artigo, tomando como base nossas experiências na escola.


O primeiro ponto observado foi a dificuldade com que os estudantes tinham para fazer o login nas máquinas oferecidas a eles pela escola. São duas formas de utilização das tecnologias, por meio de tablets e de netbooks. Os tablets são mais acessíveis, e eles estão mais familiarizados com este equipamento. Em relação aos netbooks, começaram a ficar perceptíveis as primeiras falsas impressões sobre o domínio tecnológico das gerações nativas digitais, dos Millennials aos Alphas.


De fato, a SEDUC-SP não facilitou a vida de ninguém quando optou por utilizar o e-mail institucional para acessar as máquinas. O domínio utilizado é gigantesco e de difícil memorização. Até aí tudo seria compreensível, afinal, mesmo nós professores que estamos habituados a trabalhar com as plataformas digitais nos confundimos constantemente. Entretanto, o que nos chamou a atenção foi o fato dos estudantes, em sua grande maioria, não terem conhecimento do que é e para que serve um e-mail.


Essas percepções iniciais nos geraram uma preocupação, pois a cobrança por resultados, que consistia no acesso a essas plataformas, tornava-se cada vez mais distante de ser atingida. Apesar disso, o ponto é perceber que esses jovens estão o tempo todo envoltos com tecnologia, especialmente o aparelho celular, e mesmo assim não conseguem enviar um e-mail ou, pior ainda, não têm familiaridade com conhecimentos básicos como reconhecer pelo menos algumas funções  do teclado do netbook.


Após essa mudança radical na forma de ensino, dar aula se tornou um motivo de desespero, pois, além das dificuldades dos alunos em manusear os equipamentos, tínhamos e ainda temos problemas com conexão, dispositivos com baixa qualidade; enfim, todos os ingredientes para nos trazer um péssimo retorno no que diz respeito ao aprendizado, foco principal da nossa ação. Mesmo com tantas dificuldades, aprendemos a nos organizar em relação à distribuição dos equipamentos e organização dos espaços na escola. Não há equipamentos para todos, e muitos já estão com problemas técnicos; como dito, são de baixa qualidade e se danificam facilmente.


Mesmo depois de tanto tempo, ainda gastamos uma aula inteira apenas para garantir a conexão dos estudantes às plataformas, tempo esse que deveria estar sendo utilizado para a aprendizagem. O fato é que temos duas pedrinhas nos puxando para o fundo do mar: a falta de organização da SEDUC-SP na distribuição, qualidade e manutenção dos equipamentos, e a falta de domínio dos estudantes, e até mesmo de alguns professores, com a tecnologia.


Ao realizarem as provas bimestrais, a Prova Paulista, promovida pela Secretaria de Educação de São Paulo, na modalidade virtual, utilizando os tablets da escola, percebemos um movimento repetitivo de “deslizar” a tela do dispositivo, o que nos levou a entender que os estudantes não estavam lendo os textos, as questões da prova. Esse movimento nos chamou a atenção, pois se assemelha aos movimentos feitos quando estamos utilizando redes sociais com barra de rolagem infinita, como, por exemplo, o TikTok.


Esses aplicativos promovem conteúdos rápidos e o suficiente para deixar qualquer pessoa um dia inteiro presa à tela. Conteúdos rápidos e, muitas vezes, rasos fazem com que, instintivamente, acabemos passando para o conteúdo seguinte imediatamente. Um movimento simples, que não requer conhecimento algum de tecnologia, pode afetar o processo cognitivo de uma pessoa adulta e, principalmente, de uma criança/adolescente que está em processo de desenvolvimento.


A partir dessa observação, pudemos perceber que, apesar de estarem rodeados de tecnologia, esses jovens estão presos a um movimento de subir e descer telas, com conteúdos de acordo com os seus gostos, o que não significa que seja algo benéfico. Se olharmos sob outra ótica, percebemos que eles estão perdendo o poder da curiosidade, de ir buscar algo diferente daquilo que lhes é mais agradável, já que os algoritmos dessas redes trabalham para isso: trazer conteúdos infinitos para manter alguém preso à tela e desligado do mundo real, correndo o risco de perder o poder de pensamento crítico, de tomar decisões e até mesmo de causar ansiedade, pois o costume do imediatismo afeta os sensores emocionais do indivíduo. Assim, quando vemos esses jovens utilizando um aparelho como um celular, por exemplo, não significa que eles tenham apropriação de um conhecimento tecnológico; ao contrário, estão apenas realizando um movimento repetitivo. Porém o uso consciente da tecnologia pode se tornar uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.


A ideia de que os adolescentes atuais estão totalmente integrados ao mundo tecnológico é amplamente aceita. No Estado de São Paulo, essa visão é refletida na grade curricular, que incorpora o uso de plataformas digitais em disciplinas como matemática, leitura, redação e inglês. Além disso, existe uma disciplina dedicada à Tecnologia e Inovação. Em teoria, este aprendizado poderia melhorar significativamente a fluência tecnológica dos estudantes. No entanto, na prática, a disciplina de Tecnologia e Inovação pode apresentar mais desafios do que facilidades. Em vez de auxiliar os alunos com conceitos básicos de informática, muitas vezes o conteúdo é avançado demais, como a programação, o que gera dificuldades adicionais no processo de aprendizagem.


Há uma evidente desconexão entre as estratégias de implementação das ferramentas tecnológicas e as práticas pedagógicas. A introdução das plataformas digitais necessitava de um preparo adequado, um melhor planejamento. Isso se torna claro quando os primeiros problemas são de ordem estrutural: faltam espaços adequados para as aulas, equipamentos suficientes e acesso confiável à internet e energia elétrica. Algumas aplicações exigem interação por som e voz, tornando-se impraticáveis sem fones de ouvido e microfones adequados. Mesmo com a boa vontade de professores e alunos, o ambiente interfere no progresso das atividades, causando desestímulo e frustração.


Esses desafios comprometem a continuidade do aprendizado. Quando estudantes se cansam de tentar, começam a ir para as aulas com outros propósitos, como acessar jogos, redes sociais, ou socializar. A falta de consideração pelo conhecimento prévio dos estudantes talvez seja o maior equívoco na implementação da nova disciplina. Para que a integração tecnológica seja verdadeiramente eficaz, é necessário alinhar as estratégias de ensino com as práticas pedagógicas e garantir infraestrutura adequada. Só assim será possível transformar a tecnologia em um aliado poderoso na educação dos adolescentes, preparando-os melhor para os desafios do futuro.


Apesar desses obstáculos, é notável o empenho de professores, alunos e gestão escolar em minimizar os impactos negativos. A gestão busca realizar manutenções, abrir chamados de assistência técnica e organizar rodízios para utilização dos espaços e equipamentos. Os professores continuam engajados em se familiarizar com novas ferramentas tecnológicas, ajudando uns aos outros. Os estudantes, por sua vez, mostram-se proativos, auxiliando professores e colegas, distribuindo equipamentos, conectando máquinas e mantendo uma atitude paciente e colaborativa. Essa cooperação mútua nos mantém esperançosos de que uma educação de qualidade é possível e necessária.


Devido à falta de planejamento, percebemos que estudantes com bom desempenho antes da 'plataformização' ficaram desmotivados e perderam rendimento, ou seja, os impactos dessa tecnologia foram negativos. É importante destacar que somos a favor do uso de tecnologias para aprimorar e tornar o aprendizado dos estudantes mais significativo. Nossa crítica reside na forma como ela foi implementada/forçada na rede, sem que houvesse sequer um levantamento da estrutura nas escolas e da familiaridade de alunos e professores com a tecnologia. Acreditamos que, com planejamento e implementação correta, o processo de ensino e aprendizagem só tem a ganhar.


Por trás da cortina da 'plataformização' do ensino, esconde-se algo maior: talvez uma oportunidade de ganhos financeiros por parte de quem deveria zelar pela aprendizagem dos nossos jovens, e não pensar em enriquecimento próprio. Tal postura acaba por comprometer a oportunidade de muitos alunos terem uma educação de qualidade, aproveitando ao máximo tudo o que a tecnologia pode lhes oferecer de melhor.




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