As máquinas não mandam em mim
- Raphael Rosalen
- 13 de set.
- 2 min de leitura
Em 1984, a socióloga Sherry Turkle publicou The Second Self, seu primeiro livro sobre o impacto dos computadores nas nossas vidas. Na época, a ameaça tecnológica do momento era o computador pessoal — uma caixinha barulhenta e misteriosa que as pessoas começavam a levar para casa, montar por conta própria, programar e amar.
O que Turkle fez foi revolucionário. Em vez de estudar a máquina, ela estudou as pessoas: como se sentiam ao usar o computador, o que projetavam nele, e que perguntas filosóficas a presença daquele objeto despertava. Turkle entendia que novas tecnologias não são apenas ferramentas, mas espelhos. E o computador, segundo ela, foi o “primeiro espelho psicológico” da nossa era: um objeto que pensa, que simula, que responde… e por isso nos força a perguntar: será que eu também sou uma máquina?
Quarenta anos depois, essa pergunta voltou com tudo. Só que agora ela não vem de um teclado e tela cinza. Ela vem de avatares com pele sintética, de assistentes virtuais que geram poemas, de robôs que respondem com sorrisos ensaiados. Ela vem de vídeos como o que circulou em agosto, no qual o influenciador Lucas Rangel aparece ao lado de um “robô de companhia” comprado por R$230 mil. A cena viralizou. Muita gente riu. Muita gente se assustou.
A gente se assusta porque a pergunta mudou de tom. Em 1984, era uma dúvida curiosa: “Será que um dia os computadores vão pensar como a gente?” Agora, a dúvida virou medo: “Será que um dia a gente vai pensar como eles?”
É verdade que as tecnologias de inteligência artificial nos surpreendem. Elas aprendem, simulam, repetem, otimizam. Mas não sentem. Não amam. Não se machucam. Não choram por uma perda. Não criam um disco pro seu primeiro amor. Não pintam um quadro porque sentem saudade. O que nos torna humanos não é só pensar. É viver a consciência de que somos mortais. E por isso buscamos criar, amar, brilhar… como se cada gesto fosse um modo de deixar rastro. Uma tentativa de eternidade.
Diante disso, a pergunta que talvez importe mais agora não é “será que a inteligência artificial vai nos substituir?”, mas sim: o que é que eu posso fazer que ela jamais conseguiria fazer? A resposta não está em competir por produtividade. Está em cultivar tudo aquilo que só a gente sente. O carinho. A dúvida. O toque. A ironia. A esperança. A intuição de quem vive, erra, muda, cresce, sonha, envelhece.
Em The Second Self, Turkle escreve que os computadores trazem à tona conversas que, de outro modo, talvez nunca teriam acontecido. Talvez a inteligência artificial esteja fazendo isso agora também. Ela escancarou os limites do que pode ser simulado — e com isso nos obriga a redescobrir, com mais cuidado e mais presença, o que é de verdade. No fim das contas, somos nós que temos o poder de decidir o que essas máquinas significam. Somos nós que escolhemos como e por que usá-las. Somos nós que sentimos. E por isso, agora e sempre: As máquinas não mandam em mim.
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