Além de Maria Quitéria: as mulheres nas Forças Armadas do Brasil
- Vanessa dos Santos Tavares

- 19 de abr.
- 5 min de leitura
O anseio da mulher por conquistar diversos espaços na vida social é de longa data. Maria Quitéria de Jesus foi a primeira mulher militar do Brasil, mas ela não ingressou oficialmente – fugiu da fazenda em que morava e lutou pela independência (1821), disfarçada de homem para não ser descoberta. Somente mais de um século depois ela foi reconhecida como a primeira mulher a fazer parte das Forças Armadas, como combatente.
Até os anos 1980, as carreiras nas Forças Armadas continuavam sendo destinadas apenas aos homens, e eles seriam as pessoas aptas a desenvolver atividades exigidas nas carreiras militares. Quando as mulheres foram autorizadas ao ingresso nas Forças Armadas, ainda assim, os estereótipos permaneceram intactos: mulheres eram aceitas para carreiras de cuidados (saúde, educação); homens, para carreiras que exigiam força física e outras habilidades.
Esse cenário mudou consideravelmente ao longo dos tempos e as mulheres passaram a ocupar os mais diferentes espaços na sociedade. Por outro lado, ainda temos que reconhecer que existe uma lacuna grande na nossa educação que perpetua ideias, linguagens machistas e sexistas, não somente aqui no Brasil, mas em diferentes realidades.
A exemplo disso, observamos o filme, baseado em fatos reais, “O menino que descobriu o vento” (Chiwetel Ejiofor, 2019), que se passa em Malawi, cujo personagem William recebia incentivos da família. Ele era presenteado com gravatas e calças novas para ir à escola, enquanto a sua irmã, Annie, era direcionada para tarefas de cuidados com o lar no cotidiano naturalizado mostrado em tela. Não se deve menosprezar o brilhantismo e determinação do jovem Willian, mas é preciso que façamos uma reflexão reconhecendo que os irmãos, ambos inteligentes, não recebiam tratamentos iguais por conta do seu gênero. No decorrer da história, ele se formou em uma Universidade e foi premiado com uma bolsa de estudos, enquanto sua irmã nunca chegou a ingressar no ensino superior.
Com relação às carreiras profissionais, o relatório da ONU, “Decifrar o código: meninas e mulheres nas ciências, tecnologia, engenharia e matemática”, publicado em 2018, observou em 115 países que, na média mundial, as carreiras em que elas estão mais presentes são: educação, saúde e bem-estar, artes e humanidades. Por outro lado, os homens estão mais presentes nas áreas de agricultura, indústria pesqueira, veterinária, tecnologias de informação e comunicação, engenharia de produção industrial e construção. Esses números podem ser reflexo da construção social que afastou durante muito tempo as mulheres das carreiras consideradas masculinas, mas percebemos que muitas barreiras têm sido rompidas, como é o caso da primeira mulher piloto da aviação do Exército Brasileiro, Tenente Emily Braz, que concluiu sua formação recentemente (2025).
Concernente às carreiras militares, a predominância masculina ainda persiste, mas esse cenário tende a mudar bastante a partir dos próximos anos, uma vez que o Ministério da Defesa pretende aumentar o efetivo feminino progressivamente. Ao olhar para a linha do tempo, o histórico mostra que a Marinha do Brasil foi a primeira força militar brasileira a possibilitar o ingresso de mulheres em suas corporações. Isso aconteceu em 1980. No entanto, a ascensão das carreiras para as mulheres ocorre de forma mais lenta quando comparada com homens.
Para as mulheres, a possibilidade de ingresso nas carreiras militares se deu em diferentes períodos:
1980: Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha do Brasil
1981: Corpo Feminino da Reserva da Força Aérea Brasileira 1992: Escola de Administração do Exército
2012: Lei 12.705, que possibilitou o ingresso de mulheres em áreas combatentes do Exército Brasileiro.
Em 1981, houve a criação do “Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica”, composto por mulheres com formação em psicologia, enfermagem, serviço social, fonoaudiologia, entre outras carreiras consideradas femininas.
Somente em 2023, a primeira mulher chegou à patente de Major-Brigadeiro, um alto posto militar. Trata-se da médica especialista em Medicina Aeroespacial Carla Lyio Martins, que ingressou no quadro da FAB em 1990. Ela fez parte da primeira turma mista do Quadro de Oficiais Médicos da Força Aérea Brasileira. Atualmente, elas podem atuar na medicina, paraquedismo, controle de tráfego aéreo, advocacia, história, música, entre outras carreiras.
Hoje, são 37 mil mulheres fazendo parte das Forças Armadas, sendo em média 10% do efetivo geral. Elas ingressam principalmente por meio de concurso público.
As mulheres também podem ingressar por meio dos esportes, como é o caso da 3º sargento Beatriz Souza, do Exército Brasileiro, que conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil nas Olimpíadas de 2024, no judô. Beatriz ingressou no Exército Brasileiro pelo Programa de Atletas de Alto Rendimento (PAAR).
Além disso, o dia 1º de janeiro de 2025 entrou para a história das mulheres brasileiras, ao oportunizar a inscrição e ingresso delas no formato “Serviço Militar Inicial feminino” (SMIF). Isto é, elas poderão se inscrever e, após seleção, poderão ficar no mínimo um e no máximo 8 anos atuando em uma das Forças designadas. Durante esse tempo, “elas terão instrução de tiro, orientação noturna e diurna em campo, e outros conhecimentos”, conta a 2º sargento Michele, do Exército Brasileiro. Após este período, elas receberão certificado de reservista.
Este é um fato inédito na história e importante de ser lembrado, sobretudo, pelo aspecto da igualdade de gênero e pela luta feminina na busca por ocupar diferentes espaços.
Não se trata apenas da igualdade entre os sexos, mas também sobre o reconhecimento das diferenças, como é o caso do uso de farda adaptada para as militares gestantes. Para a controladora de tráfego aéreo, 2º sargento Ludmila, da Força Aérea Brasileira, este marco representa “mais um avanço no espaço que as mulheres têm alcançado na sociedade, principalmente no militarismo.” O uso do coque, por exemplo, sempre foi desde o início para que a mulher se igualasse ao homem, mas algumas mulheres apresentaram questões de saúde como alopecia e hoje já existe uma possibilidade do uso do rabo de cavalo, respeitando as normas. “Nós estamos evoluindo, a nossa força está evoluindo em vários aspectos. Eu fico bem feliz com o ingresso de novas mulheres. Eu só vejo benefícios”, afirma a 2º sgt Ludmila.
De acordo com o site do Governo Federal, no primeiro mês de inscrição ao para o Serviço Militar Inicial Feminino foram mais de 23 mil inscrições para o preenchimento de 1.465 vagas. O número expressivo já demonstra que muitas jovens anseiam por explorar carreiras até então abertas somente ao público masculino. “A mulherada vai vir com força! Elas serão preparadas como soldados para a guerra”, conta a 2º sgt Michele.
A possibilidade de aumentar o efetivo de mulheres nas Forças Armadas é um grande avanço e vai ao encontro das Políticas instituídas na Agenda 2030, em sua meta nº 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A expectativa de novas aprendizagens no âmbito militar poderá contribuir para o desenvolvimento pessoal, institucional de futuras carreiras profissionais escolhidas por elas.
Apesar das mudanças lentas nas relações de gênero, reconhecemos e precisamos falar sobre aquelas mulheres que têm feito história dentro das Forças Armadas na atualidade, nenhuma delas precisa mais se disfarçar de homem para alcançar lideranças na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.
Saiba mais
A meta 5 dos ODS é alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Metas específicas:
Acabar com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas;
Eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas;
Eliminar práticas nocivas, como casamentos prematuros, forçados e de crianças;
Reconhecer e valorizar o trabalho doméstico não remunerado;
Garantir a participação plena e efetiva das mulheres na vida política, econômica e pública;
Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva;
Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos;
Aumentar o uso de tecnologias de informação e comunicação para promover o empoderamento das mulheres.
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Lindo trabalho!! Parabéns!
Excelente artigo.
Vanessa, li seu artigo sobre as mulheres nas Forças Armadas e, mais uma vez, me peguei admirando sua forma tão cuidadosa e inteligente de escrever. Você conseguiu trazer história, reflexão e informação com a leveza e sensibilidade que só você tem. A maneira como você conecta os fatos e provoca a gente a pensar sobre as desigualdades que ainda existem é incrível.
Já te acompanho há anos (décadas) e sempre fico impressionado com a profundidade e clareza das suas ideias. Parabéns por mais esse texto tão necessário e bonito. Que venham muitos outros — como sempre, estarei por aqui, lendo e torcendo.