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A Volta do Futuro: o que a nova onda nostálgica revela sobre o cansaço digital

Julho é um mês estranho. Não tem o fôlego dos começos, nem o alívio dos finais. É a dobra do caminho. Um tempo suspenso. E talvez por isso mesmo, seja quando mais sentimos o peso de estar no tempo. Não é à toa que crescemos ouvindo as palavras “férias de julho”. Tanto no hemisfério norte quanto no sul, seja inverno ou verão, o corpo pede um descanso.


Em 2025, o proscénio de julho encerra o primeiro ato do ano com tons escuros, muito chiaroscuro, e um clima de caos e destruição — como uma bela tragédia grega, elevando as tensões para um segundo ato espetacular. Mas a realidade não é tão romântica assim, não é mesmo? Chegamos à metade do ano com uma sensação de menos progresso e mais de looping; repetição. Os meses avançam, mas a cultura parece voltar. Não só pelos remakes no cinema ou pelas tendências de moda, mas por algo mais profundo: um cansaço da velocidade, da lógica do “online 24h”, do presente que nunca se fixa.


Em uma coluna recente do New York Times, a escritora Glynnis MacNicol (autora do livro de memórias I’m Mostly Here to Enjoy Myself [“Estou aqui para aproveitar a vida”] e apresentadora do podcast Wilder) observou que estamos culturalmente presos nos anos 1990; e não como nostalgia passageira, mas como estrutura repetida. Brad Pitt, Tom Cruise, Carrie Bradshaw, Gwyneth Paltrow, calça larga, flip phones, fotos com flash, tudo isso continua em circulação como se o tempo tivesse congelado. MacNicol chama isso de uma “vingança da Geração X”. Mas talvez seja mais: um sintoma de exaustão.


O agora virou uma zona de hiperconsumo. Tudo é tela, tudo é meme; tudo é uma “marcação”, e tudo é potencial pra performance. E nesse excesso de versões de nós mesmos, sobra pouco do que se pode tocar.


Nos últimos meses, essa pergunta tem me rondado: o que ainda posso segurar em minhas mãos? Estou na reta final do meu doutorado. Anos de estudo, pensamento, pesquisa... e tudo que terei ao final será um arquivo .DOC, no máximo um .PDF, ou um e-book. Um arquivo. Uma combinação de códigos invisíveis, palavras e pensamentos reduzidos a zeros e uns... E se a energia do mundo acabar, em um segundo tudo desaparece. O que me resta?!


Foi aí que comecei a voltar. Comprei um iPod antigo. Daqueles pesados, com botões físicos, e sem touch-screen. Passei dias baixando arquivos MP3, organizando pastas, criando uma biblioteca de música única, só minha. Senti alegria ao transferir arquivos para um dispositivo que precisa ser carregado com cabo. Um dispositivo que não me escuta, não me recomenda, não me filtra... Ele apenas toca música e me ajuda a escapar do mundo por alguns minutos. E isso, de algum modo, me devolveu um pouco do corpo.


Esse gesto não é isolado. Ele aparece em detalhes em toda a nossa volta: nas bolsas, nas vitrines, nas conversas de salão e no aperto do metrô. O Labubu, meio bicho de pelúcia, meio criatura psicodélica, virou febre entre jovens urbanos, pendurado como chaveiro ou mascote, sinalizando um tipo de estilo que é também pertencimento. Já o morango do amor, sobremesa vermelha caramelizada com cara de infância, ultrapassou o TikTok e foi parar nas confeitarias, nos memes e nas filas. À primeira vista, um boneco e um doce parecem não ter nada em comum. Mas os dois apontam para o mesmo movimento: um desejo crescente por coisas que se seguram na mão, que estalam nos dentes, que ocupam espaço no mundo real. Em tempos de identidade por avatar e consumo digital, esses símbolos sugerem outra linguagem, uma que ainda precisa de corpo.


Num tempo em que temos mil opções de representação digital, há algo subversivo em carregar algo que se rasga, se perde, se desgasta. Um boneco, uma câmera antiga, uma playlist offline. Esses objetos não se atualizam sozinhos. Eles exigem presença. E talvez por isso estejam voltando, até mesmo como uma linguagem de resistência.


Julho foi isso. Um mês em que o presente pareceu cansar. E onde o passado voltou não como saudade, mas como alternativa. Como se disséssemos: talvez o futuro que nos prometeram tenha exigido demais. Talvez tudo que a gente queira agora seja uma foto tremida e borrada. E quem sabe, no fim das contas, seja nas imagens borradas que o futuro realmente recomece.


ree


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1 comentário


Bruna
02 de ago.

Parabéns pelo artigo, traduziu muito o cansaço que eu sinto atualmente. Obrigada pela sua sensibilidade de conseguir escrever isso 🤗

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