A família e o brincar, qual é o seu lugar?
- Mariana Nascimento Sá e Vanessa dos Santos Tavares
- 30 de ago.
- 4 min de leitura
Recentemente, os meios de comunicação veicularam um documentário produzido pelo youtuber Felca (Felipe Bressanim), expondo os perigos da internet sem supervisão dos pais e a exposição de crianças e adolescentes em situações sexualizadas e de adultização. Em um vídeo de 49 minutos, o youtuber conseguiu reunir informações e mobilizar muitas famílias preocupadas com o uso cotidiano das redes sociais pelas crianças.
O termo “adultização”, nas últimas semanas, passou a fazer parte das reflexões de famílias e escolas atentas ao desenvolvimento infantil. Mas, afinal, o que significa adultização?
A adultização ocorre quando crianças e adolescentes são estimulados — ou até pressionados — a assumir funções, responsabilidades e formas de comportamento inadequados para sua idade. Três situações são comuns:
1. No ambiente familiar: quando uma criança pequena é obrigada a cuidar de irmãos mais novos, colocando a segurança de todos em risco;
2. Nas exigências emocionais: quando são colocadas em situação de alienação parental, por exemplo, quando mães e pais criticam um ao outro com a intenção de constranger e deixar a criança insegura; ou ainda em chantagens em troca de afeto, atenção e brinquedos — “me dá um abraço, senão não vai ganhar um presente!” — algo muito corriqueiro;
3. Na imagem: quando há excesso de incentivo ao uso de roupas e maquiagens típicas do universo adulto, prática frequentemente naturalizada pelas grandes mídias e pela publicidade.
Quando uma criança é forçada a agir como adulto antes do tempo, perde uma parte essencial da infância, e as consequências podem se prolongar por toda a vida. Podemos dizer que o brincar é o oposto da adultização.
Em alguns contextos, a adultização, ou amadurecimento precoce, pode ser confundida com algo positivo. No entanto, para a educação e a psicologia, ela representa uma ruptura no desenvolvimento natural da infância: afasta as crianças do tempo precioso das brincadeiras e antecipa etapas que deveriam ocorrer de forma gradual e adequada.
É claro que não se pode impedir o crescimento ou negar pequenas responsabilidades. Tarefas simples do cotidiano, como juntar os brinquedos ou guardar os próprios sapatos, são aprendizagens saudáveis e típicas da infância.
O fato é que a busca por números, fama e dinheiro tem contribuído para a negligência da infância, como já alertavam algumas mães e professoras no Instagram (@ meumundoinfantil e @glauoliveira. oficial). O hábito de permanecer horas diante de vídeos engraçados, dancinhas e músicas da moda ocupa um tempo exagerado na rotina de muitas crianças, deixando em segundo plano o tempo de brincar.
O livro “Árvore da Educação”, da pedagoga e jornalista Samantha Valdívia, também autora do blog @meumundoinfantil, aborda a importância de respeitar a infância para a construção de pessoas emocionalmente fortes. A obra reforça que a brincadeira em família, como parte do lazer, é uma grande aliada da educação emocional, tanto para pais quanto para filhos:
“A família que desfruta dos momentos simples, da ludicidade, da diversão, e aproveita a companhia um do outro nos momentos de lazer, é uma família que se ajuda, se respeita, se acolhe, interage e é integrada. A consequência disso é que os filhos passam a gostar tanto da companhia dos pais e dos momentos que passam juntos que, automaticamente, vão diminuir a busca por diversão e estímulos fora de casa” (p. 39).
Nesse contexto, defendemos que a infância seja um tempo de explorar a natureza, brincar com água, areia, terra, papelão — ora em silêncio, ora com os barulhos do “vrum-vrum” dos carrinhos. Esse tempo de brincar é precioso: estimula o desenvolvimento natural, fortalece a coordenação motora e a linguagem, e muitas vezes dispensa estímulos externos, já que as crianças, curiosas por natureza, inventam suas próprias brincadeiras. Às vezes, uma gaveta com potes de plástico e panelas pode ser mais atrativa do que um brinquedo comprado.
Quando estimulada a brincar com colegas ou irmãos, a criança participa do convívio familiar e reconhece o pertencimento àquele espaço. A autoestima se desenvolve em pequenas ações do dia a dia. Fortalecer a conexão com as crianças exige olhar nos olhos, compartilhar experiências com familiares, ouvir histórias de avós e antepassados, dançar uma música juntos. Essas vivências geram memória, promovem bons momentos e têm sido esquecidas diante da multiplicidade de papéis que desempenhamos na sociedade. Quando a família cria espaço para contar histórias e ouvir as crianças, elas se sentem respeitadas no ambiente em que vivem.
A família e o brincar devem ter lugar diário na vida das crianças. Quando isso não é possível, que seja ao menos nos finais de semana. Respeitar o ritmo individual, promover vínculos de proteção e oferecer apoio social e emocional são formas de acolher crianças e adolescentes. Assim, é possível permitir que vivam plenamente a infância e, mais tarde, a adolescência, adquirindo experiências e recursos internos que os preparem para a vida adulta de maneira mais segura, equilibrada e confiante.
Proteger a infância significa reconhecer que cada etapa tem sua beleza e sua função no desenvolvimento humano. Quando priorizamos o afeto, a escuta e a presença, não apenas evitamos a adultização, mas também cultivamos seres humanos mais saudáveis, criativos e preparados para enfrentar os desafios da vida adulta com equilíbrio e sensibilidade.
E a pergunta que também nos faz refletir é: Como podemos reservar mais tempo para a família e o brincar em nossos dias?
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