Pare o que está fazendo e leia com calma! Este artigo não é um post qualquer, ele exige mais de você
- Everton Viesba

- 10 de mai.
- 8 min de leitura
Oi, você. Tudo bem? O que você tem lido ultimamente? Melhor, você tem prestado atenção nas leituras que seus olhos fazem no decorrer do dia?
Internet na palma da mão, notícias num fone de ouvido e mensagens em relógios que perderam sua função primária. É... vivemos em tempos em que a leitura foi sequestrada pela pressa. Rolamos telas, escaneamos manchetes, arrastamos o olhar por parágrafos como quem percorre um mapa apressado, buscando um atalho para a próxima notificação. Até que, em alguma medida, lemos muito, mas será que compreendemos o que lemos?
O Brasil está ostentando taxas alarmantes de analfabetismo funcional: cerca de 3 em cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos têm dificuldade de interpretar textos simples. Ao mesmo tempo, nunca estivemos tão conectados. Uma nova geração, criada em meio a vídeos curtos, mensagens instantâneas e timelines infinitas, se vê exposta diariamente a um volume imenso de palavras… mas nem sempre de sentidos. A leitura profunda, aquela que transforma, que questiona, que desestabiliza, parece estar perdendo espaço para o consumo veloz de informação. O velho hábito de reler, de anotar à margem, de conversar com o texto, vai sendo soterrado pela lógica da performance: “já li”, “já sei”, “próximo”. Mas o que significa, afinal, ler?
Outrora um ato de mergulho no texto, a leitura tem sido substituída pela navegação superficial da cultura do imediatismo. Essa transição, para além de uma mudança de hábito, se constitui como uma transformação na forma como interagimos com o conhecimento. Mortimer Adler, em sua obra Como Ler Livros, (Ed. É Realizações, 2010, 432 p.) destaca a importância da leitura ativa e reflexiva, que exige do leitor um esforço consciente para compreender e dialogar com o texto. No entanto, nesta era digital, esse tipo dleitura tem sido cada vez mais raro, dando lugar a uma absorção passiva de informações fragmentadas. Com um mundo de informações nas palmas das mãos, no ouvido e no pulso, substituindo o relógio, hoje em dia todo mundo sabe de mundo; contudo, apenas o suficiente para três minutos de conversa.
Essa superficialidade no acesso ao conhecimento contribui para o aumento do analfabetismo funcional, uma realidade preocupante no Brasil. Em reportagem na Folha de S.Paulo, publicada esta semana, observamos que a redução do analfabetismo funcional estagnou no país, atingindo 29% da população de 15 a 64 anos. Esse dado revela que, embora muitas pessoas saibam ler e escrever, não conseguem interpretar ou compreender textos simples, o que limita sua participação plena na sociedade.
Para entendermos o que é o analfabetismo funcional, vale conferir as obras de Luciane Araújo, Analfabetismo funcional, alfabetização e letramento e ações da escola (Ed. Dialética, 2022, 128 p.) e de Magda Soares, Letramento - Um tema em três gêneros (Ed. Autêntica, 2007, 128 p.). Nessas obras, o analfabetismo funcional é caracterizado em três níveis, a saber:
No nível 1, a pessoa é capaz de identificar palavras e frases curtas, mas não compreende instruções simples — por exemplo, não consegue interpretar uma receita básica ou entender um aviso de perigo.
No nível 2, há leitura de textos mais longos, mas com compreensão limitada: a pessoa pode ler uma notícia, mas não consegue distinguir a opinião do autor dos fatos apresentados, ou interpretar gráficos e tabelas simples.
Já no nível 3, embora o sujeito consiga ler textos complexos e localizar informações explícitas, ele ainda apresenta dificuldades para relacionar ideias, fazer inferências e aplicar o conteúdo lido em situações práticas — como compreender uma cláusula contratual ou argumentar sobre um editorial.
Nos três casos, a autonomia plena na vida cotidiana e no exercício da cidadania é comprometida. A compreensão leitora é uma habilidade complexa que envolve a decodificação de palavras e a capacidade de inferir significados, relacionar informações e aplicar o conhecimento adquirido. A leitura com compreensão consiste na interação entre os recursos do leitor e as características do texto, exigindo o uso de conhecimentos prévios e estratégias de leitura. Como posto por Mortimer, sem essas habilidades, a leitura torna-se um processo mecânico, desprovido de significado. Essa falta de compreensão leitora tem implicações diretas na vida cotidiana das pessoas. Desde a interpretação de bulas de remédio até a compreensão de contratos e notícias, a habilidade de entender o que se lê é essencial para a tomada de decisões informadas, um exemplo mais atual é a expansão das fake news e a tomada de atos e discussões que se iniciam a partir delas. Numa análise superficial, já que é disso que estamos falando, a simples falta da habilidade de ler e interpretar uma notícia para considerá-la como confiável ou não, pode dar início a enormes problemas familiares, sociais e políticos.
Naturalmente, é na escola que esse papel crucial de formação de leitores é desempenhado. No entanto, está cada vez mais comum que o ensino da leitura seja focado apenas na decodificação, negligenciando a compreensão e a interpretação crítica dos textos. Neste cenário, é essencial que professores, pais, responsáveis e sociedade no geral lutem por uma Educação que estimule a reflexão, o questionamento e a construção de sentido, preparando os alunos para interagir de forma crítica com os diversos tipos de texto que encontrarão ao longo da vida. Parece bobo usar “texto” neste chamado, mas é o “texto”, seja ele adaptado ao áudio ou ao post, que move as massas...
Pedi para você parar o que está fazendo e ler este artigo porque aqui pretendo te mostrar a importância de valorizar a leitura como um ato de resistência e emancipação, que permite à pessoa compreender o mundo ao seu redor e atuar de forma consciente e transformadora. Como destaca Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, enfatizando que a compreensão da realidade é fundamental para a interpretação dos textos.
Naturalmente, numa conversa, você argumentaria comigo: — Ler exige tempo. E concordaríamos que tempo, hoje em dia, é artigo de luxo. O tempo que temos é o das notificações, do cronômetro, do feed. A leitura em si, como prática, exige dedicação, silêncio, atenção e rascunho, e isso no seu dia a dia parece incompatível com o modo de vida acelerado que naturalizamos como “eficiente”. Mas ler depressa é como tentar saborear um vinho seco, um frisante ou uma Heineken em goles de refrigerante: algo se perde no meio do caminho. Italo Calvino, em Por que ler os clássicos (Ed. Companhia de Bolso, 2007, 288 p.), dizia que “um clássico é um livro que nunca termina de dizer o que tem a dizer”. Mas como alguém vai ouvir o que nunca cessa, se lê como quem foge de uma bomba-relógio? A pergunta que assombra é: estamos lendo ou apenas passando os olhos? Eu fico com a segunda... Particularmente, tenho sofrido com alunos, familiares, amigos e mesmo autores, que passam os olhos em e-mails e mensagens e no instante seguinte me perguntam sobre algo que já havia respondido por texto.
Há uma ironia cruel nessa reflexão. A sociedade, em especial a juventude, nunca escreveu tanto como nos dias atuais. Mas, talvez, nunca tenha compreendido tão pouco. Milhões de palavras circulam em vídeos, memes, legendas e comentários. Mas eu te pergunto: em que medida essas palavras constroem pensamento? Ao compartilhar um reels com seus amigos, você realmente está comunicando, informando-o sobre algo, ou é só o êxtase coletivo de compartilhar? Em que momento você, leitor digital, se torna leitor de mundo?
Bom, se estamos conversando sobre o que significa ler, precisamos também olhar para o lado da população que está envelhecendo e que, não necessariamente, teve acesso à leitura em sua potência formadora. São homens e mulheres que viveram em contextos de escassez em questão de qualidade pedagógica e que agora também enfrentam a exclusão digital, um novo tipo de analfabetismo funcional que se expande entre gerações como herança estrutural. Certamente você tem algum familiar que tem enormes dificuldades em usar o celular, mas que compartilha facilmente vídeos do Tik Tok e Kwai. É, meu querido leitor e minha querida leitora, não se engane... Vivemos entre os jovens hiperconectados e pessoas de meia idade desinformadas, o problema é o mesmo, mas com sotaques diferentes. Uns não conseguem interpretar porque nunca foram formados para isso; outros, porque nunca lhes foi oferecida essa chance. Um país de não-leitores vestidos de conectados — será esse o nosso retrato?
É óbvio que é fácil apontar essa crise na leitura ou qualquer outra grande crise. Apontar problemas é fácil... Difícil é aceitar, e por isso que este artigo é direcionado diretamente para você! A falta de leitura é um princípio da falência da formação humana. Sem ler, com profundidade, não dialogamos, não comunicamos, com profundidade... Essa leitura nos forma para o pensamento complexo, para o juízo de valores, para o desacordo respeitoso. E não é isso o que temos perdido, nas escolas, na sociedade? Qualquer falha de comunicação, por menor que seja, é motivo para brigas de futebol, violência na escola, separações, agressões no trânsito. O filósofo Nuccio Ordine, em A utilidade do inútil (Ed. Zahar, 2016, 244 p.), defende o saber pelo saber como ato de resistência ao raciocínio raso. A leitura entra aí como essa prática aparentemente inútil, porque não entrega um resultado imediato, mas que é, em essência, o que sustenta o pensamento livre. A quem interessa um povo que lê sem entender?
Se a leitura é uma ponte, estamos nos afogando nos dois lados do rio. De um lado, a formação técnica e produtivista. Do outro, o entretenimento veloz e fragmentado. No meio, o leitor que mal pisa na ponte, tropeça nos primeiros passos e volta correndo para o lado que oferece menos esforço. Sim, sei que doeu ler isso e também doeu escrever.
Querido leitor, querida leitora, entre suspiros convido você para reaprender a escutar os textos, a “demorar-se” na leitura. O leitor apressado é também um leitor que não escuta e, portanto, não se transforma. A leitura que liberta é a que confronta, e isso não acontece sem tempo, sem pausa, sem presença. Que tal reler? Que tal sublinhar, anotar? Ler, de fato, é como dançar com o texto. E ninguém dança bem quando só quer chegar logo ao final da música. Ler devagar virou ato revolucionário. É reivindicar tempo para sentir as palavras, não apenas consumi-las. Ler devagar é declarar: — não estou com pressa de entender o mundo, quero compreendê-lo de verdade.
Se você chegou até aqui, então talvez tenha lido. Parabéns: você é minoria. Mas calma lá! Como disse o tio Ben, em Homem Aranha, “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”. Ler, com profundidade, é um desses poderes. E, convenhamos, num mundo em que quase ninguém lê com atenção, isso te torna um herói/heroína. Agora que você leu, o que vai fazer com isso? Vai voltar para o feed e curtir um vídeo com legenda em caps lock e emoticon de foguinho? Vai repassar este texto a alguém que só lê título e já comenta com fúria nos grupos de família? Ou vai fazer o que pouca gente tem feito: ler de novo. Pensar. Discordar. Compartilhar com perguntas, não com certezas....
E se você acha que estou exagerando, pare um minuto, sem rolar a tela, e pense com calma: qual foi a última vez que você terminou um livro? Um artigo inteiro? Uma frase que não coubesse numa figurinha do WhatsApp? Pois aqui vai um desafio: escolha um livro. Qualquer um! Leia até o fim. Depois me escreva. Me conte o que te inquietou, o que te virou pelo avesso, o que ficou ecoando. E se chegar ao fim sem sentir nada, sem uma faísca sequer... não desista. Releia. Às vezes, não é o livro que está fechado, somos nós.
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